quarta-feira, dezembro 19, 2007

voltas

eu gosto de conhecer novos lugares: uma certa ansiedade do curioso paira, alfinetando a espera, dando soluços no ampulheto. um olhar de criança se faz toda cada vez que se chega por primeira vez em algum novo local. preparativos, algumas pesquisas, informações, escolhas. orientar-se, aprender caminho, ler mapas e traçar rotas. encontrar os escondidos: prêmio. escrever a rota pessoal em cada novo sítio que se agrega ao percurso, eis o brinquedo.
e quando se retorna a lugar já ido? dimensões renováveis, mutam o cenário, de fora e de dentro.
retomar fios, reatar linhas.
assim farei, após 2 anos, na mesma praia, na mesma pousada, com a mesma pessoa: a terceira mesma sendo ela a mais importante de todas. minha maior cobiça, minha maior espera, meu maior zelo. quero rever paisagens, quero relembrar ditos, vividos, sorridos, passos. quero redimensioná-los e fazer um ainda novo quadro, pela via da intimidade.
quero sempre poder voltar.

domingo, dezembro 02, 2007

a escolha da mão contrária

a escolha da contramão mais intrínseca é quando se fala de nem escolher, quando se vai na direção do que o supostamente autêntico diz: respeite a si mesmo. eu quero apenas o silêncio e a distância de uma hipocrisia que não se assume.
amor em tempos de cólera, não a doença que notabilizou gabriel garcia marques, mas a raiva que domina a contemporaneidade, quando isso virou rótulo de um tempo que nem mais se permite a possibilidade de um avenir, é um sentimento a que eu renuncio. não quero algo que antes me é ressalva, concessão, ou mesmo a força de uma convenção. que se foda a criança fruto desse enlace. que se fodam oa laços de consagüinidade. eu continuo cada mais vez confirmando o que me ensinou o amigo que melhor e mais originariamente se desencantou com os homens: essa espécie não presta. raduan, obrigada. quero e ambiciono um dia a coragem de plantar arrozes. já crio gatas, o que é um imenso avanço. um dia serei sábia ao ponto de ser muda.





um dia me mudo.

domingo, setembro 23, 2007

da série "cartas em garrafas"

vinte e quatro horas, e mais algumas. eu nunca direi o que acredito dever ser percebido pelo outro. eu chamo a mim a responsabilidade de perceber o meu entorno. se cega dos olhos, uso o tato; os ouvidos; o olfato... cada sentido em socorro do perfeito funcionamento da orquestra, e a devida importância ao percussionista ao fundo, sentado toda a peça, cujos pratos têm precisa hora para soar. se erra a entrada, compromete a coletiva obra.
persigo uma lufada de ar: não qualquer uma. aquela que me preenche o respiro. não me vingo, não me locupleto, não desperdiço. a reserva é sempre o meu melhor abrigo.
te compro um mapa. entre presentes e tantos sinais, te dou todas as respostas, na eloqüência do que calo. o tempo e o silêncio, minhas duas matérias, os dois elementos de que sou feita: lagarta.
no meu casulo só há que a precisa luz em medida justa. se desafino, a borboleta em mim eu mato.
um laço não é só um nó. um laço são duas pontas, de duas linhas, de uma mesma corda, de um trançado: um laço. não um balaio.

sábado, setembro 22, 2007

jocoso coincidir: lagartas

pro começo da conversa, são duas personagens. uma era uma maestra má do oeste, prima da bruxa do país de Oz. a outra era um insetinho cioso de suas funções nobres na natureza: apenas executar seu papel no ciclo. a maestra, como condiz com a função (também assim foi nomeada por outra jocosa confluência), gostava de manipular as cordas dos instrumentos e de amarrar com as mesmas cordas as mãos e pernas e a língua e o pensar dos a sua volta, sua orquestra de regidos. e como a maestra tinha muito nojo de lagartas, porque não sabia ver a beleza não óbvia da véspera da borboleta, deu de assim chamar a outra personagem, que a si mesma, esta, já se via e se sabia lagarta, mas não nojenta. muito menos cheia de peçonha, que cabe a outra ordem de vida. pro meio da conversa, a maestra emboloou os idos e vindos do tempo, num moto-contínuo de desverdades e dessentimentos. a lagarta, como lhe cabia a natureza, foi uma paciência. permanece sendo, até que os olhos das outras personagens reluzam em visão.

sexta-feira, setembro 07, 2007

da série "cartas em garrafas"

ah, as horas tantas em que eu queria me manter calada. nenhuma palavra, nenhum som escapando, nem mesmo murmúrio, gemido, onomatopéia a trair os pensamentos. um plácido silêncio, um repouso de linguagem verbal e sonora, absoluto nada de sons. mais ainda, eu queria um absoluto oco de expressões, pra tentar traduzir ao externo de mim o vazio que me repleta o de dentro.
não se fazer entender é ter que voar um balão cheio de sacos de areia, como toda a tralha e o peso de ver-se ignorado. de ver-se inutilizando-se em verbo. desdobrar-se em sons que apenas nauseiam os ouvidos. não quero explicações. abaixo o diálogo de fachada. amigo querido, que bem ensinaste, tantas vezes: "estou convencido, uma planta não enxerga a outra". e mais, "o que ficam são os afetos". certa contradição aparente, equacionada quando do entendimento que prescinde do verbo.
um dia, dEUS tomara, eu me calo.
e ponho na garrafa que lanço ao meu mar um papel imaculadamente branco. meu pedido de socorro? um silêncio, por favor.

teoria da irrelatividade

eu queria sintetizar uns momentos em que as palavras escapam. qual a melhor forma de os traduzir? e deixo uma diarréia verbal me escapar, feito arroto tosco, que carrega em si milênios de humanidade. eu hoje estive anestesiada, após os músculos do corpo serem untados com suave óleo de olor idem, todos os membros, apesar de eu estar deitada de ventre para cima, estavam invertidos. apenas a cabeça, como se virada ao avesso completo. uma espécie de curupira, só que ao invés de serem os pés ao contrário, era a cabeça. e o chão afundava, embora eu não fosse junto.
eu queria traduzir a impossível relativização de certos valores.
afinal, existirá caráter relativo? ou, mais contundentemente formulado: falta de caráter relativa? alguém tem meia honestidade? meio caráter? meia ética????????

e isso seria só o começo...

terça-feira, agosto 21, 2007

pílulas

às vezes preciso arrotar minha alma esgasgada no meu pré-intestino...

quando eu aprender o suficiente da mudez para ser eloqüente, estarei em paz.


eu sou desbocada por opção retórica

o avô: é uma aliança, uma remissão, algo que acompanha, um talismã, um amuleto.como um beijo materializado, nos acompanhandoe velando por nós...

um imenso silêncio, como amálgama de sons vários que remetem todos a uma mesma dor, que é ela mesma fruto de uma incapacidade terceira...

e a lagarta, nesta temporada, permanecerá no casulo. rebelde ao suposto curso natural não sairá a borboletear, porque recebeu uma visita inesperada e inoportuna...

querido maestro, diz a lagarta ao ampulheto, certos sacrifícios não valem o abandono do casulo; certos outros não valem as asas da borboleta. e as vezes, no meio-termo, só resta a queda livre, o abraço do ar a asas inertes.

convite da lua, cheia, à lagarta (quando esta voltava pra casa, e espiava a lua, em seu percurso de subida ao céu): "vamos a uma festa, lagarta! é à fantasia!" "e vais de quê, ô, lua?" "de hóstia consagrada, não vês? só que pus açúcar, não creio que o corpo do cristo fosse ser assim desprovido de gosto..." (quem acusaria a lua de herege?). a lagarta voltou pro casulo, pois tinha compromisso...

... mas encontrou no caminho um pirilampo. e concluiu que seria a lua, agora, sua particular estrela de belém.

escritos em desordem talvez apenas estejam obedecendo a uma outra ordem, subjacente, mais orgânica...

essa estória faz já um pouco ido...

o pai deu de registrar as brincadeiras de conversa com o menino mais novo, patrimônio imaterial e inestimável (tanto o menino, quanto a conversa registrada).e vinha-se, entre tantas, assim:
pai: - tu gosta de brincar com o papai?
menino: - eu e tu, né?

pai: - tu gosta de jaca?
menino: - gosta...
pai: - mole ou dura?
menino: - molinha...
pai: - quer brincar de quê?
menino: - jaca é o quê, hein?
pai: - prestenção...
menino (cantando e pulando): - ei, carnaval, o carnaval começa no galo da madrugada!!!

essa estória faz já um pouco ido...

o pai deu de registrar as brincadeiras de conversa com o menino mais novo, patrimônio imaterial e inestimável (tanto o menino, quanto a conversa registrada).e vinha-se, entre tantas, assim:

pai: - tu gosta de brincar com o papai?

menino: - eu e tu, né?



pai: - tu gosta de jaca?

menino: - gosta...

pai: - mole ou dura?

menino: - molinha...

pai: - quer brincar de quê?

menino: - jaca é o quê, hein?

pai: - prestenção...

menino (cantando e pulando): - ei, carnaval, o carnaval começa no galo da madrugada!!!

sábado, agosto 04, 2007

da série "sabedorias de conforto"

a lua estava quebrada, ontem à noite.
e ninguém houvera percebido, até o menino Lelo me pegar pela mão e ir à varanda. olhar o céu. quem estava avisando era o grilo, que não parava de gritar na jardineira da varanda.
meu irmão, o pai de Lelo, tem um grilo urbano na jardineira da varanda do quinto andar: um luxo de simplicidade.
saía chuva fininha, escondida, do meu olho. porque a lua estava quebrada. só o menino Lelo viu.
quem vai consertar a lua, perguntava Lelo?
o homem vai pular do prédio mais alto e botar cola na lua?
Lelo quer que eu fique bem velhinha, com os cabelos brancos, sem nenhuma outra cor. e que o passarinho preto continue morando nas minhas costas, e meu umbigo seja uma espécie de orelha, adornada de brinco.
Lelo responde muito "sim".
Lelo me convidou pra soprar as nuvens com muita força e acordar a lua, pra dizer a ela que espere o conserto. e dissemos boa noite à lua, que nos sorriu, mesmo partida e de boca banguela. a lua choveu mais um pouco no meu olho. Lelo lambeu um sal dessa água e me deu um pedacinho da orelha dele preu comer, pra virar um sorriso.
Lelo é um sábio de quase três anos de idade. e ele é muito amigo da lua, e de uma tia que não cresceu, engoliu um passarinho que mora nas costas dela e chove pelos olhos, porque desaprendeu a sair do caramujo-labirinto. Lelo ficará sentado de mãos dadas com a tia, brincando com um sabonete roxo, que é vermelho, mas também vira branco, como serão os cabelos da tia, daqui a uns bons anos.

da série "cartas em garrafas"

um pedido de alento.
o que se espera numa garrafa é pretexto pra heroísmo? relato de abandono, desvio, esquecimento, perdição. e pedido de socorro.
eu quero apenas reencontrar a palavra que me dirigia à doninha.
eu quero o alento do sono de minha gata, quando deita entregue e desfalecida no meu colo.
às vezes, tenho que segurar o rostinho dela com os dedos, porque ela escorrega a cabecinha, na pequena morte de um sono tão fundo: confiança.
eu quero filmar esse acontecido e exibir à doninha: vem comigo reaprender a língua de silêncios cúmplices que nos atava?
um convite.

sexta-feira, agosto 03, 2007

da série: minotáuricas

ganhei uma casa de caramujo, entrei pra ver como era o presente por dentro. acho que me perdi e não acho mais a saída...

quarta-feira, agosto 01, 2007

perseguição do vento

A perseguição do vento, eis eu.
O que sou e faço.
Sinto.
É curioso como permaneço a amar-te,
mesmo quando não te amo.
Reconheci logo tua voz. Volta de viagem, tempo da saudade. Não nos juntamos, tampouco nos apartamos. Sina.
Disseste: sabes quem é?
Eu, óbvio, esperava já antes de ouvir-te. E mais: queria só ouvir a tua voz.
E disseste: sou eu, bom dia.
Eu súbito intimidada; passei a ter medo, como antes. A minha voz tremia, vez em quando e de repente. E com o tremor, novo de repente, ela (a voz minha) voltava a encontrar a pronúncia de nosso particular dialeto. Eu sabia que ainda me farias busca, soube-o desde desde. Somos perseguição do vento. Eu não, sozinha. Nós duas. De um livre liberto que é o amor que nos liga, nos ata.
Mas existe acaso de sabe-se lá que natureza: somos um quase-lá-sempre. E dei de nos fazer existir em escritas. Jeito de manter-nos mais quente, em mim.
E depois disseste de quem agora sempre vês: família, a minha.
Eu falei trivial. Por antes de tudo que me saía em som, todavia, o que eu significava era: como dantes, que ainda te amo, que nunca poderia deixar de amar, que te amaria até sempre.
Eu, o melhor livro. Mas aquele que te fica apenas em cabeceira, na lembrança esporádica - de cor, de coração – que te brisa o ar, te colore de águas e rio, mas no qual não te fazes lar.

(isso foi escrito nos idos de 2004)

quarta-feira, julho 25, 2007

dissonâncias e afinações

a lagarta perambula em seu passo ligeirinho, por tantas pernas orquestradas já na recuperação das topadas. um arrastar que se faz em largos saltos inaparentes. e vai vagar pensando objetivos que se concretizam em uma medida tão diversa do traçado prévio: aprender é tomar sustos sem perder por completo o fôlego. no suposto engasgo, entra a lufada da surpresa reservada pelos descaminhos cifrados do ampulheto: e havia o menino singelo, doce, de mãos hábeis e língua macia. um presente de palavras e melodia. foi ele o "X" marcado no mapa, que parecia apenas sinal de casual desvio. "tudo que é reto mente", aprende bem a lagarta. e se deixa beijar todas as vezes, pelas mãos do menino. construindo cumplicidades numa terra fria, onde a cerveja nem precisa ser gelada. onde os passos são medidos pela pressa, onde os encontros são esbarrões sem desculpas, sem gentilezas. a lagarta vai levar o menino ainda mais de volta pra sua casa, a dela. e se deixa uma parte das pernas, uma boa dose de arrumadas linhas, rabiscadas em garatuja de caderneta de anotações, nas mãos do menino, nos bolsos de sua calça, nos sons que moram na cabeça do menino: lugar de onde nascem as canções.

sábado, julho 14, 2007

inseto de vagar migratório, por força de sedimentado amor

é sempre tão difícil para o vagalume vagar entre holofotes e nuvens densas. ele pisca com toda a força que tem em seu pequeno ser, mas é condensada demais a luzinha que emana. só olhos de sensibilidade apurada e fina sintonia, que o tenham escolhido e com ele feito pacto de mirar a vista por seus sinais, o podem assim acompanhar como farol. a prosa do pirilampo, então, se faz dialeto do colibri e tudo o mais segue: o coro de amor dos dois. amém.

sexta-feira, julho 06, 2007

da série "cartas em garrafas"

o que se sabe do amor, meu bem? que é ele uma pontada seca de faca na boca do estômago; um exagero de sentidos; um pôr-se tão inteiro dispor-se pelo outro que é um despir-se por completo; uma forma de estupidez dos sentidos, postos numa carga extrema que funcionam ferindo o próprio sentidor.
eu gosto do fato de escrever sem estar sendo lida. eu gosto de cada vez que o teu silêncio se distrai e te escapa uma palavra que confirma o que eu já percebia. e eu percebo que continuo sozinha, na minha paciente espera de ti; mesmo supostamente contigo ao meu lado. pois é, meu bem, eu sou obscura e indecifrável. minhas imensas divagações que surpreendentemente eram o que mais admiravas em mim: este como podia eu fazer tão imensos os desvios da minha prosa, e retornar em cheio ao fio lá antes deixado, é hoje a tua sempre expressão e verbalização de: não sei aonde você quer chegar. caminho a esmo, o das minhas palavras? e as minhas comparações tão improcedentes e infrutíferas, que delas dizer? minhas supostas prévias qualidades se desmontam a cada atrito. andar é fazer atrito com o chão. anda-se porque se empurra o chão para trás. eu carrego meu chão no meu sentir. empurro-o com as milhares de pernas de lagarta que sou, em certa lentidão ruminante, mas com a bússola salvaguardada.
meu litígio, meu bem, é só com não me trair. meu voto de honestidade é comigo mesma, só assim não se trai o outro nem ninguém; não se traindo a si mesmo.
vou continuar em minha paciência. mas recuso-me à estupidez. posso desfazer-me dos sacos de areia, para que o balão permaneça em vôo. posso cortar cada pedaço de carne que se faça estorvo, pra seguir sobrevivente. só não corto nem distorço nem perverto nem retraio nem retorço a minha verdade: compromisso com a carta que jaz no faz fundo da garrafa que sou, onde pôs o antigo avô o ensinamento mais caro: amor. um dos que se entende; se sabe; se conhece pelo cheiro e pelo primado. aquele do qual não se levanta nem poeira de questão. o que é indelével ar de respiro.

em homeopática dose

No balaio do fim
do dia
é noite
quem cai



o sol se


pois
mais um dia se foi




O resto
não

quinta-feira, julho 05, 2007

lagarta de umbigo

publiquei isso faz já uma montanha de pás do ampulheto e sua areia finíssima, quando individualizada, me retorna agora, como uma das primeiras escrivinhações minhas lagarteando.
deve ser que tenho precisado de poesia e de sonhos, além do açúcar em medida exata, dos pastéis de belém, pra enfrentar a lida desentendida do diálogo matrimonial. e tudo agravado pelo aprendizado ainda errante de mil novas palavras imensas e estranhas, mas que existem (pasme-se, estão no dicionário), e figuram aos borbotões no juridiquês: aquela língua que usam os advogados para a gente ficar com cara de espanto leso e não entender nada. é que ando corrigindo, a sobrevivência obriga (não a "noblesse"), uma imensa dissertação de mestrado em direito...
lá vai o texto anterior que eu mencionava:

Sobre uma certa espécie nomeada “lagarta de umbigo”


Uma outra vez, escrevi texto sobre temática semelhante, no mesmo espaço que um dia foi a coluna virtual “balaio buliçoso”, para o portal do jornal do commercio. Foi a pedidos de um amigo muito especial, que anteriormente foi meu aluno e tornou-se daquelas pessoas especiais, com as quais não se precisa estar “grudado” pra haver a certeza do laço. Aliás, com esse amigo talvez haja um caminho muito atípico de freqüente modo de fazer-se presente em mim: nunca entendi o exato porquê, mas ele é uma das pessoas com quem mais constantemente sonho! Engraçado isso. Poderia dizer que a gula me faz sonhar com ele. O pai do meu amigo faz os mais deliciosos pastéis de Belém que se possa provar, seja aqui ou em terras lusitanas (aliás, o pai do meu amigo é português, acrescente-se), e sou uma fã incondicional de tal iguaria. Mas não são os pasteizinhos que me fazem sonhar com Tico... Os enredos, inclusive, são sempre bem inusitados, nos sonhos, mas nem é deles que vou falar.
Agora, prendo a linha do texto no fio que soltei logo no início, o assunto que se repetirá e que Tico me “encomendou”: sobre o que eu escreveria, quando me faltasse um assunto. Esta semana ando meio assim, os assuntos fervilham e nenhum se agarra no meu juízo. Será que a culpa é da tese de doutorado? Do acúmulo de afazeres? Ou de que, às vezes, os assuntos precisam mesmo de mais tempo pra ganharem corpo na nossa mente e se fazerem “materializáveis” em texto?
E junto tudo isso aos sonhos. Não só os com Tico. (Pronto, agora ele fica importante mesmo, já fiz dele personagem. Talvez ele entenda isso como uma homenagem, e fique contente). Enredos de sonhos são assim, muitas vezes: meio caóticos e difíceis de recuperar em linearidade narrativa, ou mesmo na tarefa de atribuir-lhes sentidos. Alguns parecem ser mera lembrança imediata de algum fortuito evento vivido, outros parecem traduzir medos profundos dos sonhadores. Outros ainda são tão embaraçosos... que a gente nem sabe a que atribuí-los e prefere, mesmo, nem relembrá-los muito ou mencioná-los: acorda-se com a face rubra de pudores, ou com riso amarelo de canto de boca.
Mais uma reviravolta na seqüência deste texto, que me sai numa ordem parente da dos sonhos, aos borbotões de imagens. Peço aos eventuais leitores que me façam a gentileza de perdoar a aparente confusão e tentem “sonhar este texto”, ou por outra, compreendê-lo como fazemos com nossos próprios sonhos. E passo a narrar um destes. Eu tinha um brinco, suposto adereço de embelezamento, que se pode pensar como um carinho com o próprio corpo. Só que era no umbigo; isso que chamam piercing. Eu, uma pessoa que não usa roupas que deixem a barriga à mostra. Meu piercing seria mesmo uma conversa de mim para meu umbigo.
Enfim. O sonho era que este “brinco de umbigo” parecia começar a inflamar, muitos anos depois de já cicatrizado. Fato deveras suspeito e estranho. Após uns dias de certa desconfiança e ansiedade, as revoluções geográficas na minha barriga davam sinal de o que realmente vinham a ser: tratava-se de um hóspede que me vinha habitar o buraco do umbigo! Uma lagartinha muito simpática e falante me saía do piercing (do furo que ele preenchia em meu ventre) e passava a ser meu próprio “bicho de goiaba”, expressão que uso com outra amiga, pra nos referirmos a nossas “caraminholas”, as pequenas obsessõezinhas que mantemos na vida, os “grilos” do juízo. E com ela (minha lagartinha de estimação) eu discutia de tudo, desde as trivialidades até os problemas existenciais e as dúvidas metafísicas que nos perturbam sazonalmente.
Pronto: daí pra lembrar do grilo falante, da história do Pinóquio; das lagartas e gatos e coelhos e lebres do País das Maravilhas, de Alice, foi um pulo. Também, a formiguinha que passa a habitar a casa do personagem de Ignácio Loyola Brandão, no conto inicial do seu livro O Homem que odiava a segunda-feira, e que vira interlocutora constante, e mesmo confidente, do dono da casa. Lembrei ainda, inevitavelmente claro, do romance de Copi - autor que estudo neste tal doutorado, e quem acompanha aqui a coluna disso já sabe- intitulado La Cité des rats (em bom português: A Cidade dos Ratos). Neste romance o narrador é um ser humano, que por ter abrigado durante anos um rato em sua casa fez-se dele amigo e confidente, chegando a aprender o idioma dos ratos e a tornar-se tradutor das narrativas que recebe de seu amigo roedor, passando-as para o francês e publicando-as.
Pois é, depois de lembrar tanta coisa aparentemente delirante, mas tão recorrente na literatura, olhei meu sonho de modo diverso e passei a ter imenso carinho pela minha “lagarta de umbigo”. Então, no hiato de assuntos para este Balaio, resolvi apresentá-la a vocês, porque já não me preocupa tanto interpretar de onde me brotou semelhante personagem onírico, importa é que ela habita agora tanto meu inconsciente, quanto minha imaginação e minhas conversas “comigo mesma”. E desejo a todos que encontrem, adotem, assumam, criem seus imaginários, mas incontestáveis amigos-confidentes; seja por inspiração literária ou por um conteúdo latente em algum sonho banal, seja noturno ou saído de cochilo vespertino.
Ah, em tempo, antes que eu deixe meu amigo Tico perdido nalgum ponto deste texto, recupero-o desejando-lhe, em especial, que sonhe com algum amigo semelhante à minha lagarta e, com ele, tome muitas coca-colas e cervejas, quem sabe acompanhadas por algum pastel de Belém.

domingo, maio 13, 2007

da série: coisas que piscam

o reluzir de um detalhe, no mais das vezes, devia ser sol para as pessoas. mas cansa falar a potes de ecos. palavras que viram bumerangue, retórica, excesso de falar. e na eloqüência de um silêncio, parece que o efeito é o mesmo: em excesso e em absoluta falta, incompreensão.
aí, vem um cansaço de recorrências... bem preferia o piscar de vagalume, aquela continha vagabunda esquecida embaixo da poltrona, empoeirada e inútil, achando no preciso olhar de criança atenta a dimensão cabida.
o mundo das pequenas gentilezas e percepções é um mundo à parte, no qual não cabe a dinâmica das relações humanas. no máximo, uma coincidência momentânea que resulta em um risinho de canto de lábio. ou na aparente delicadeza, mecânica, de dizer-se saúde a um espirro.

sábado, maio 12, 2007

da série: imaginâncias de residir I

um sempre gosto que se renova em mim é retornar de qualquer lugar visitado, suficientemente humano para tanto, onde eu tenha exercido a simples atividade de caminhar. sim, ir a qualquer destino que se queira, do trabalho ao passeio despressentido, com meu mais arcaico meio de transporte: as pernas. não preciso nem da posse de uma bicicleta (embora também seja esta uma forma de locomoção que me encanta), apenas mover-me pelas ruas até onde tenha por objetivo chegar, ou até onde a errância e as atrações fortuitas do flâneur me levem. sem olhar para todos os lados, sem medir o que levar nos bolsos ou na bolsa, sem imaginar a tensão de gato de rua, desconfiando da própria cauda ou sombra. eis a primeira saudade que sinto da cidade onde nasci e na qual nem me lembro mais de um dia ter vivido assim...

terça-feira, maio 08, 2007

ímpeto de tornar-se ave migratória

sempre fui lagarta de fundo amor a meu casulo; sempre fui ave de raiz, não ave migratória e nômade. meu chão, minha luz, minha casa, meus cheiros e meus abraços conhecidos são minha raiz dileta e fundamental. nos arrecifes onde nasci, sempre me imaginei estabelecida, por amor. de naturezas várias. o útero de terra e pasto, o útero materno e o entorno familiar. mas até alguém assim disposto a ver sua terra brotando e ser parte da semeadura vê-se expulso de onde construiu ninho, quando o que mais ronda é a sombra imensa de aves predadoras e sem nenhum temor de risco nas investidas.
pobre cidade dos arrecifes e dos portos, te restam as portas de saída aos que tenham a chance de escapar incólumes a ruas de sujeira, buzinas, engarrafamentos e pobreza de toda sorte. além dos alagamentos, de lama e sangue. ser sobreviventes miseráveis talvez seja o único orgulho - murcho, torto e desesperançado - resultante do slogan tão publicitariamente bem-sucedido, de ser nordestino, ou pernambucano. eu mesma, lagarta-ave-gente, prefiro a nostalgia, a saudade e as memórias afetivas que o clima de medo, tensão e o cansaço de horas em que se morre, literalmente, mesmo sem levar-se uma bala, mas a cada hora de tensão e tortura e desperdício, no trânsito, nas ruas lotadas, nas filas de bancos, nos ônibus e nos semáforos de uma guerra civil.

quarta-feira, abril 25, 2007

colibri e lagarta e gata

um trio que é todo ele de criaturas do céu, dos ares: nos vôos, nos saltos, nos altos... e embaixo de tudo, entocado, o escuro do útero, o colo de doninha, a baía do banho de abraço e imersão.
e na sexta-feira 20 de abril nasceram dois colibris gêmeos e infinitos.
no anterior dia, chegou zureta. bicho de se amar. bicho de construir rotina de cuidado e afeição e de não se temer a própria animalidade.
bicho que se educa no macio da paciência, na sedução movente de um chamado.
uma vida que se vai mudando, a minha, no agregar de um amor maior, o maior de todos: doninha. ela meu desenho, ela minha guia, ela minha estimação.

sexta-feira, março 30, 2007

uma história de singelezas

abgaildes era uma moça alegre e que gostava de dar muitas risadas. um dia, abgaildes aprendeu a dar assovios daqueles com os dedos dentro da boca e danou-se tanto de trênar que a namorada de abgaildes ficou surda... bichinha de abgaildes, ficou cheia de remorso e parou de assoviar, aí, começou a engolir os gases dos assovio e passou a soltar puns altíssimos...

canção do tempo renitente

um banzo bate feito um tambor em mim
percussão de sino
campânula imensa de catedral
atordoa meu juízo embotado
ruminante
brincadeira de medo
de tempos de menino
vingar coragem
apenas pelo prêmio do colo
e o afago de amante
que apaga toda dor
guardada neste sótão
[que é o vão (em vão?)
de uns tristes pensamentos]

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

íntimo

quando a um outro exato alguém é franqueada a sabedoria ainda mais fina que a nossa própria, de domínio e de percursos, de cheiros e toques e formas; quando este outro parece ainda mais eu no dizer calado do meu corpo. dos cabelos, a textura e o mergulho das mãos, superfície maestra do sentido tátil. da pele, o trajeto da língua, antevisto pelo olfato do nariz ávido e atento a cada molécula de odor, que faz da seda dessa teia tecido de cativeiro consentido e cúmplice.
por exemplo.

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

pequenas lições botânicas

pode ser metáfora.
como uma planta de raiz muito funda e grossa, sequóia, baobá, que vive centenária...
mas pode também ser como roseira, cuja flor dura um dia, aparente fugacidade de cem anos em horas.
ciências emparelhadas no cuidar, que cada rosa se esvai, mas pra que venham os novos botões sempre e renovadamente, a roseira tem que ser podada.

sábado, fevereiro 10, 2007

perguntas

o que fazer quando o diálogo se fecha?
(aliás, quase nunca ele há de fato. "uma planta não enxerga a outra".)
como se faz a escolha pela parceria, na exata medida do equilíbrio? onde estariam as percepções das concessões de ambas as partes?
(o mais engraçado é não ser percebido.
e uma raiva supostamente calada vira lágrima
e parece não ser isso um despejo sobre o outro...)
melhor expressão que o sincero dizer-se? melhor expressão que o acordo no momento de anúncio da possível discórdia vindoura?
de que matéria é feito o seu amor? a receita inclui quanto de suas vontades contrariadas que viram raiva e lágrima?
de que matéria é feito o traçar dos seus planos?
de linha de rede de pescador? de rede de deitar e embalar sono? de rede de armadilha?
(um chão nem sempre é plano, quase nunca sólido. um chão é superfície das mais incertas e escorregadias.
eu prefiro o oco de nada sob os pés.)

silêncio

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

antevisões passadistas de período momesco

me deu uma nostalgia antecipada, nem bem chegaram os dias de carnaval. sempre fui foliã de fantasia, de menina que vira macaco, índio, bailarina, pierrot e até ouras idéias muito mais inventadas, improvisadas de disfarce. ia pra rua, olhava muito, gostava de tomar picolé e de tomar cerveja (já menina maiorzinha). gostava de ver os blocos, os caboclos de lança... quando pequena, tinha medo que se pelava da "a la ursa quer dinheiro, quem não dá é pirangueiro", hoje, "a la ursa" assalta mesmo, mata sem remorso. hoje "a la ursa" está em todos os sinais, é flanelinha, ou mesmo nem é, e amedronta. hoje, nem fantasia nem poesia. um caos que desanima, que esvai poesia da cidade e do carnaval. hoje, recife é toda uma saudade de quando era uma cidade, e não uma guerra civil mal disfarçada...

segunda-feira, janeiro 15, 2007

sobre abraço e sono

um período houve em que a lagarta viveu abraços adormecidos. sim, aquilo que se chama fazer um escudo de acolhimento e proteção com o próprio corpo, e manter-se assim por uma inteira noite, acalentando o outro: a lagarta experimentou ser assim ninada. um ninho, uma lagarta-passarinho. o gigante corpo que a abrigava foi uma das maiores delicadezas que a lagarta conheceu...

processo de idiotização

vamos brincar de ser idiota? pergunta a lagarta infante. e ela já adulta responde a si mesma: por que a interrupção nesta brincadeira? é melhor completá-la ao longo da existência. o imbecil completo é feliz, porque sempre se porá no lugar do outro e sempre será solícito e se desdobrará pelo outro, não importando a si mesmo. ora, afinal, de que valem as próprias questões? quem perderá tempo considerando sua tensão, seus compromissos, sua paciência e sua espera, senhora lagarta? menos ainda quando te pões a acostumar mal todos ao teu redor: com tua suposta disponibilidade infinda, tua força sempre renovada, tua auto-flagelante capacidade inquestionável de te pôr no lugar alheio. na fábula, és a formiga. e te consola, tonta! a vilania é sempre teu destino, ora ora...

sexta-feira, janeiro 12, 2007

chegou 2007, ela veio trazendo na mala...

foi sim. o ano da lagarta, de ela borboletear, mesmo lagarteando, numa metamorfose de equilíbrio e verso-reverso, veio na mala de doninha, que cruzou oceanos de volta ao lar: o casulo.