domingo, maio 13, 2007

da série: coisas que piscam

o reluzir de um detalhe, no mais das vezes, devia ser sol para as pessoas. mas cansa falar a potes de ecos. palavras que viram bumerangue, retórica, excesso de falar. e na eloqüência de um silêncio, parece que o efeito é o mesmo: em excesso e em absoluta falta, incompreensão.
aí, vem um cansaço de recorrências... bem preferia o piscar de vagalume, aquela continha vagabunda esquecida embaixo da poltrona, empoeirada e inútil, achando no preciso olhar de criança atenta a dimensão cabida.
o mundo das pequenas gentilezas e percepções é um mundo à parte, no qual não cabe a dinâmica das relações humanas. no máximo, uma coincidência momentânea que resulta em um risinho de canto de lábio. ou na aparente delicadeza, mecânica, de dizer-se saúde a um espirro.

sábado, maio 12, 2007

da série: imaginâncias de residir I

um sempre gosto que se renova em mim é retornar de qualquer lugar visitado, suficientemente humano para tanto, onde eu tenha exercido a simples atividade de caminhar. sim, ir a qualquer destino que se queira, do trabalho ao passeio despressentido, com meu mais arcaico meio de transporte: as pernas. não preciso nem da posse de uma bicicleta (embora também seja esta uma forma de locomoção que me encanta), apenas mover-me pelas ruas até onde tenha por objetivo chegar, ou até onde a errância e as atrações fortuitas do flâneur me levem. sem olhar para todos os lados, sem medir o que levar nos bolsos ou na bolsa, sem imaginar a tensão de gato de rua, desconfiando da própria cauda ou sombra. eis a primeira saudade que sinto da cidade onde nasci e na qual nem me lembro mais de um dia ter vivido assim...

terça-feira, maio 08, 2007

ímpeto de tornar-se ave migratória

sempre fui lagarta de fundo amor a meu casulo; sempre fui ave de raiz, não ave migratória e nômade. meu chão, minha luz, minha casa, meus cheiros e meus abraços conhecidos são minha raiz dileta e fundamental. nos arrecifes onde nasci, sempre me imaginei estabelecida, por amor. de naturezas várias. o útero de terra e pasto, o útero materno e o entorno familiar. mas até alguém assim disposto a ver sua terra brotando e ser parte da semeadura vê-se expulso de onde construiu ninho, quando o que mais ronda é a sombra imensa de aves predadoras e sem nenhum temor de risco nas investidas.
pobre cidade dos arrecifes e dos portos, te restam as portas de saída aos que tenham a chance de escapar incólumes a ruas de sujeira, buzinas, engarrafamentos e pobreza de toda sorte. além dos alagamentos, de lama e sangue. ser sobreviventes miseráveis talvez seja o único orgulho - murcho, torto e desesperançado - resultante do slogan tão publicitariamente bem-sucedido, de ser nordestino, ou pernambucano. eu mesma, lagarta-ave-gente, prefiro a nostalgia, a saudade e as memórias afetivas que o clima de medo, tensão e o cansaço de horas em que se morre, literalmente, mesmo sem levar-se uma bala, mas a cada hora de tensão e tortura e desperdício, no trânsito, nas ruas lotadas, nas filas de bancos, nos ônibus e nos semáforos de uma guerra civil.